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Novembro 2011

Manezinho do Bispo, doidinho de Deus

Há homens e mulheres que, quando nascem, um anjo torto, desses que vivem na sombra, diz: “Vai, criatura, ser doido na vida...” Não louco em fúria, com olhos de dar medo e revólver na mão, mas daqueles que não fazem mal a ninguém, a vagar pelo mundo como guardiães de estrelas, pastores de sonhos e peregrinos do bem. São os “doidinhos de Deus” que marcaram nossa infância, no tempo em que cada cidade tinha o seu, oficial, juntamente com o mentiroso e o bêbado. A essa irmandade santa pertencem o Profeta Gentileza, que deixou nos pilares dos viadutos cariocas sua pregação de amor e de paz; Maurílio, que passa o tempo a discursar contra Lula e o PT nos estacionamentos da Câmara dos Deputados, em Brasília; Luciano, o locutor de uma rádio imaginária na Praça da Lagoinha, em Fortaleza, que não precisava de relógio para dar a hora certa, com absoluta precisão; Arthur Bispo do Rosário, artista de gênio, recluso por mais de 50 anos em uma cela do hospital psiquiátrico Juliano Moreira, no Rio; e Manezinho do Bispo, pernambucano que entrou para o melhor capítulo da história do Ceará, em que se encontram os tipos folclóricos e a gente simples do povo.

Porteiro do Palácio do então Bispo (hoje Arcebispo) de Fortaleza (daí a alcunha com que ganhou fama), chamava- se Manoel Cavalcante Rocha, nasceu em 1856 e morreu aos 67 anos, em 1923. Valia-se da seção “Ineditoriais”, que a imprensa da época reservava às colaborações dos leitores, para publicar seus confusos escritos sobre religião e astronomia. O órgão de preferência era o Correio do Ceará, que os trouxe, de 1917 a 1922, sob a curiosa rubrica V + D, “Viva mais Deus”, em que o “mais” pode ser tido como advérbio ou como equivalente à preposição “com”. Foram reunidos, meticulosa e competentemente, pelo pesquisador Geová Lemos Cavalcante no livro O Porteiro da Religião (Fortaleza: LCR, 2010). Os textos, que o jornal sempre estampava com os erros de ortografia e sintaxe do autor, traziam “máximas e pensamentos”, alguns sem pé nem cabeça:

“Assim dizia, naquele tempo, a pedra que falava, para a bezerra do curral, não vale a pena se lidar com quem não tem caracter, ambas tinham razão, ella berrava muito, ella dizia, viva S. João, cala a boca da Estação, da Estrada de Ferro de Baturité, certo está que pela passificação da imprensa, dominam-se as nações do mundo civilizado, respeitador e amante do catholicismo”; “Se o mar fosse insoço era desengraçado e não tínhamos o bom sal para as comidas”; “Quem tem recurso e não socorre a sua pátria, é como o bocório que anda pelas calçadas comendo banana com rapadura”.

De vez em quando, Manezinho do Bispo acertava a mão, prova da tênue fronteira que separa a inteligência da loucura: “Com o trabalho e a economia se faz senhores a prosperidade e a nobreza das Nações”; “Os pensamentos são semelhantes as chitas, se um não agrada a este, agrada aquele”; “Se os ignorantes comprehendessem bem o valor extraordinário do silêncio, por certo que raríssimas vezes abriam a bocca para fallar”; “A litteratura é como o oceano onde os bravos marinheiros fazem suas manobras para com acerto dirigir bem o leme do seu navio...”; “Se algum homem ou mulher sentir-se vaidoso ou dosa nas manobras do saber eu da parte de Deos aconselho que não aprofunde muito as lettras, pois n’elle tem espinhos bem perigosos para os que são imprudentes e com os trabalhos da penna querem, fazer enormes fortunas...”; “É dificil encontrar-se uma Senhora que fale pouco, e com acerto ao mesmo tempo, porém á felizmente algumas trabalhadoras e virtuosas dignas de bom exemplo, estas são que ornam o lar domestico”; “Amar sem ser amado é correr atrás de um trem e perder”; “O bacharel pobre que casa com uma moça pobre dá um tiro com a pistola do passado nos miolos do futuro”.

Curioso da ciência astronômica, era mística e primária sua compreensão do cosmos: “Astronomia é a poesia diurna de Deus dos Anjos e dos Santos”; “As estrellas, ao meu vêr, não são mais do que a filharada da rainha lua com o rei Sol”. Mesmo assim noticiou, com jeito de repórter, a observação do eclipse do sol na cidade de Sobral, em 29 de maio de 1919, quando pela primeira vez se confirmou a Teoria da Relatividade Geral de Einstein.

Como sói acontecer, a figura popular mitificou-se com o tempo, e a ela se atribuem páginas que não escreveu e ideias que não teve. Como a do título Biografia de sua ex- mãe, sobre a finada que lhe dera à luz, folheto realmente denominado Biografia de sua bondosa mãe. Para muitos, converter-se em lenda é imortalizar-se, mas não para Manezinho do Bispo, que passou pela terra indiferente às pompas do mundo e às glórias da vida. Afinal de contas, era um dos doidinhos de Deus, homens e mulheres que nunca se sentem vaidosos ou dosas...

(*) Edmilson Caminha (Fortaleza), escritor

 

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Edmilson Caminha (Fortaleza), escritor


                                            


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