Abril 2010
Entre quimeras e devaneios (dos outros)
J. Ciro Saraiva (*)
Pontes Neto, médico e deputado estadual, afeiçoava-se às pessoas, com facilidade. Em 1958, incluiu-me numa das sinecuras que a Assembléia criou para contemplar as derrotas da UDN e do PSP. Não fui concretamente beneficiado com o empregão, porque o inventário foi posto a baixo pelo Governador Parsifal Barroso. De qualquer modo, o gesto uniu-nos numa terna amizade até sua morte. Participei de algumas de suas lutas, todas elas voltadas para ajudar os mais pobres. A meu ver, foi mais médico do que político: tinha o grave defeito de falar mais do que devia. Em política, isso é fatal.
Quando Cesar Cals era Governador, apareceu-me com a engenhosa idéia de me fazer prefeito de Quixeramobim, cujo domínio político foi seu constante objetivo político. Explicou-me a simplicidade do plano: a Arena 1 indicaria um nome; a Arena 2 indicaria outro e o terceiro seria apontado pelo Governador. No caso de Quixeramobim – festejava – Cesar se fixaria no meu nome. Tão simples quanto um jogo de damas. Achei aquilo de um artificialismo enorme mas fiquei quieto. Meu irmão, Antonio Saraiva, presidente da Câmara se encarregaria de dar o golpe mortal no plano do Dr. Pontes: escondeu o livro de filiação partidária e não se falou mais no assunto. Mas Pontes Neto não desistiu de seus planos nem me dispensou de futuras missões:
- Prepare-se para ser interventor!
Pedro Grujão em cena
Meu “projeto político” passaria, ainda, por mais duas vezes, pelas preocupações de outro amigo, Pedro Gurjão, umas das pessoas mais brilhantes que conheci até em seus devaneios e formulações surpreendentes. Inicialmente, através de uma candidatura a Deputado Estadual “com base em forças arregimentadas desde o Cariri, passando pela região Jaguaribana, subindo a serra de Ibiapaba e descendo pelo Acaraú, sem esquecer o velho e sempre lembrado Quixeramobim, onde Pontes Neto, mais uma vez plantado na ribeira do Pirabibu, estaria de tacape e gibão de couro no comando das tropas aborígenes. Se não chegara à Assembléia, pelo esgoto fétido do inventário, também não o faria na crista revolucionaria de milhões de votos já prontamente articulados e sôfregos em se transformarem em mandado popular... Pedi para desarmarem o exuberante dispositivo e me deixaram em paz.
Por pouco tempo. Porque, em Julho ou Agosto de 1986, com a campanha de Tasso pegando fogo e eu nela envolvido, eis-me que, às desoras, bate-me à porta, intrépido e fogoso, meu caro Pedro Gurjão:
- Trago-lhe uma proposta irrecusável!
- Meu pedido de demissão?
Era uma “chapa” que lhe parecia invencível: Ciro Saraiva para o Governo e Pedro Gurjão para o Senado. Quase cai de espanto. Morrendo de sono e tendo que ouvir um disparate daquele tamanho!
- Como é que poderia ser isso, Pedro? O Tasso vai abrir pra mim?
- Não! Nós vamos enfrentá-lo e derrotá-lo.
Três horas depois de “negociações”, o saldo era desolador: uma garrafa de café, meia dúzia de água mineral e o sono da madrugada.
Resisti bravamente, quase até o sol raiar. Mas, quando o sol raiou afinal, fiz-me lépido e fagueiro entre as brumas de uma aventura de capa e espada.
Desde então, não me apareceram mais projetos para melhorar a biografia, pelo que sou sinceramente grato, a salvo dos infortúnios, de quimeras e imaginações febris.
J.Ciro Saraiva (Quixeramobim), jornalista