Setembro 2009
Vamos comer farinha
Galinha com farinha lembra a infância. Morava em Ibiapina quando vi, pela primeira vez, ela sendo preparada para a viagem a Canindé. As malas estavam prontas. Faltava a peça de resistência da viagem de um dia. A galinha, bem temperada, cortada em pedaços, foi pra panela. Parecia uma festa na cozinha. As pessoas ajudando minha mãe, colocando mais lenha no fogão. Depois de cozida a galinha recebeu a farinha de mandioca .Com a colher de pau dona Dalva foi misturando ao caldo temperado que virou a farofa mais gostosa que comi na vida. Na viagem, não pensava na roupa de São Francisco que teria de vestir para pagar a promessa para meu irmão ficar bom de uma poliomielite. Ia olhando a paisagem mas só via a galinha com farofa que minha mãe guardava numa lata de biscoito, carregada no colo, com todo cuidado. Nunca esqueci o cheiro que saiu quando a lata foi aberta para o almoço. Tenho certeza que o cheiro tinha um sabor que ainda me enche a boca e um odor que invade o nariz. O caminhão de duas boléias levantando poeira na estrada e nós devorando a galinha preparada na véspera. A farinha fosse da Europa estaria hoje entre os melhores complementos da culinária mundial. Acontece que as pessoas sentem vergonha da farinha. Tentam esquecer que um dia foram farofeiros, palavra que, inclusive, identifica os que levam farneis para a praia ou piqueniques.
A farinha não serve para fazer pão, mas é perfeita para a farofa, beijus, pirões. Acompanha assados de carne, ave ou peixe. Já imaginou um churrasco ou um frango sem farinha? Além dos nordestinos, gaúchos e mineiros se amarram numa farinha. Tem gente com tanta prática de comer farinha que causa inveja .Pega a farinha com a mão, joga de longe na boca e, com perícia, não deixa um só grão cair. Vamos comer farinha sem culpa. O escritor mineiro Luis Giffoni diz que ela tem a praticidade exigida pela vida moderna. “É o fast-food tupiniquim, com a vantagem imbatível: dura um dia, tempo infinitamente maior ao dos hamburgueres que, em cinco minutos, ficam intragáveis aos olhos e ao estômago.”
(*) Wilsom Ibiapina (Ibiapina), jornalista