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Novembro 2011

Sem peúgas nem borzeguins

Chegamos a Lisboa, pelas asas da Cabo Verde Airlines, como o filósofo Bias entrou em Atenas, munidos apenas de bengala. Nem de tão convincente argumento dispunha eu. As malas haviam ficado, não sei porque cargas dágua, retidas em Praia e só nos apareceram, meio encabuladas, quatro dias depois. Um amigo português, ao ler meus “causos”, quis saber se eles aconteceram mesmo ou se frutos da imaginação do autor. Pois é. Os temas perseguem o produtor de crônicas. Nem pensem, porém, que tudo foram desditas neste vôo, saudado, com palmas, quando, ao termo, o avião pousou na capital portuguesa. Muita gente, movida a preconceito, não escondeu a surpresa quando soube que optara por viajar em tal companhia aérea. Em Lisboa, a gentil Paula Diniz, funcionária da embaixada brasileira, não ocultou espanto ante a contra dição: ‘‘É coisa de pobre, se hospedar no Hotel Fênix e se transportar na companhia aérea de Cabo Verde. “ Outros me recriminaram por querer seguir viagem com pretos, em velhos aviões. Nada disso. Os aviões são da falecida VARIG, os pilotos também, brancos como pensamos, desejamos, e até as aeromoças são do tempo de fundação da companhia gaúcha. Para que mais? queríamos sua experiência no ar e isto elas possuíam em quantidade, não beleza, nada de juventude.

Uma das justificativas para escolher tal companhia aérea foi pisar solo africano, o que me negaram. Cheguei a passar mais de duas horas, retido no avião, em Praia, sem direito a pôr os pés em seu chão. Pior que isto foi a frustração, de não comer, em Portugal, o coelho de olhos pretos, tão desejado, anunciado no cardápio do Carlton Pestana Palace, como jogada de marketing. Juro que sonhava consumir este bichinho principalmente pela cor de seus olhos, tão anunciada na propaganda. E estive lá duas vezes, numa na entrega do prêmio Dário Castro Alves ao presidente Mário Soares quando pude testemunhar o prestígio do conterrâneo e outra quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados, dez vezes ministro de Estado atual presidente do Partido Socialista, Almeida Santos, me matou a fome, naquele fantástico palácio do Marques de Villaflor.

***

Desde que me submeti segunda operação no coração, familiares e amigos implicam com o consumo do álcool. Acham que a bebida poderá me matar. Assim desde primeiro de maio de 2003, quando me hospitalizei no Monte Klinikum com dengue, nunca mais havia posto bebida espirituosa na boca. Fizera acordo com Carlos Eduardo para beber, em Lisboa, quando fosse lançar livro na capital portuguesa, o que aconteceu a 19 de maio de 2005. Pois bem. Ao chegarmos ao hotel, como já disse estávamos sem malas que ficaram em Caboverde. Ainda tinha algumas peças de roupa intima, razão pela qual fui bater pernas. A mulher ficou no Hotel Fênix. Dirigi-me ao Tivoli Hotel para cultuar Baco. E aí pude perceber o quando a propaganda negativa e o instituto de sobrevivência foram mais fortes que o prazer do uísque,do vinho, da cerveja. Pedi dose de Royal Salute, de dezessete euros porque o livreiro Sérgio Braga que me prometera aquela cachaça que ele serve ao ex-governador Lúcio Alcântara , falhou. Vez primeira. Não me mandou o mimo, a tempo de embarcá-lo. E emborcalo goela abaixo. Com o que foi à garra meu etilismo verde amarelo. Tive de me contentar com aquele licor fabricado na Escócia que o garçon abriu, com gravidade e solenidade que me impressionaram. Repeti a dose antes de almoçar com cerveja. E não experimentei prazer. Foi equivalente à frustração que senti aos 15,16 anos ao fumar,no porão do casarão da rua Maestro Jose Pedro com Deolindo Barreto, o primeiro cigarro,o Zig-Zag da fabrica Araken. Pior, senti até leve dor de cabeça quando me recolhi ao quarto do hotel. À noite, dei-me mal com o Esporão de que sorvi uma garrafa. Ai me convenci de que sou lá cachaceiro,como pensava e até me vangloriava sou um bebedor de suco de graviola, isto sim.

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(*) Lustosa da Costa (Sobral), jornalista e escritor.

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