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Fevereiro 2012

O quarto senador

O jornalista Wilson Ibiapina me pediu escrever algumas linhas sobre a partida do senador Vieira Filho,a os oitenta e seis anos, depois de vida intensa de boemia e frequência ao mundo politico.

Ele militou, na era de quarenta, nas paginas do jornal O Estado, antes de se mudar para o Rio onde viveu muitos anos, circulou pela sociedade, como solteiro, casamenteiro, mas seu negócio mesmo eram a boemia, as mulheres da noite, a bebida e as viagens de avião. Na idade madura, os apetites satisfeitos. Na militância intensa da boemia, teve a sorte de se aproximar do então presidente da Câmara dos Deputados, Flavio Marcilio, que lhe deu opor tunidade de funcionar como seu assessor até que aquele ilustre homem público partiu para nunca mais voltar

Vieira circulou sempre nas mais altas da politica. Por isso, seu apelido de “senador” pegou. Havia quem o considerasse o 4º pai da pátria cearense. Por último, foi fiel presença aos almoços de sábado de Marcilio que adorava reunir amigos em sua casa e conseguiu faze-lo até perto de morrer.

Era um boêmio da década de quarenta, quando a capital era o Rio de Janeiro e ele convivia com personagens da política que atingiram, posteriormente, o primeiro plano da vida pública estadual e nacional. A mim sempre me pareceu amigo correto e fiel que não se levava muito a sério nem também tinha a vida como coisa séria. Assim foi até que a doença lhe tirasse o gosto da convivência social e ele não quisesse mais se apresentar aos amigos.

A sorte do senador Vieira foi haver encontrado, há uns vinte anos atrás, uma companheira, como Sonia que cuidou dele, como anjo da guarda, paciente e educada. Tenho certeza de que, por conta dela, não sofreu solidão nem se sentiu abandonado. Deus lhe deu este prêmio que ele prudentemente guardou e por ele velou. Vou lembrá-lo sempre como boêmio que somente adquiriu o apartamento onde residiu até o final de seus dias, por pressão dos amigos, desinteressado de bens materiais, preocupado apenas em viver bem entre bons pratos, belas mulheres e boas viagens. Era tudo que queria da vida, sem tirar dos outros, conquistados todos por seu charme, pelo prazer que dava sua companhia.

No velório, a filha de falecido amigo dizia, referindo se à ausência de um conhecido comum que o havia encontrado, na última cerimonia fúnebre a que tivera de comparecer. Lembrou frase de Emilio Burlamaqui (ou era de Carlos Drummond citada por ele) segundo o qual nos últimos tempos estava cada vez mais fácil rever os amigos nas rodas que se formavam antes de seu sepultamento ou cremação.

Disfarçando a emoção

Ai eu que procurava ate então disfarçar a emoção, chegando até a me aproximar do caixão para guardar a fisionomia do defunto amigo, vejo amigo ilustre aos prantos. Aquela cena de um cidadão que nem sabia tão íntimo do que estava partindo me mostrou a obrigação de também me comover. O que não foi difícil. Assim quando saiu do velório no cemitério para almoçar com minha mulher, não podemos disfarçar o sentimento de perda por quem nos cativou por tantas gentilezas. Desceu sobre nós devagar e segura a saudade dos momentos que vivemos juntos. Meu filho, Carlos Eduardo, pela internet,me pediu que antes de me entristecer lembrasse os momentos prazerosos que vivemos juntos, sorvendo bom uísque.

Quem será o proximo?

De repente, me dei conta de estar organizando fila .Para que? Rumo a que? Ao mesmo destino. Separei, primeiro os marmanjos, os que nasceram antes de mim porque não levei em conta as mulheres eis que o mundo esta muito mais povoado de viúvas que de viúvos.Elas duram mais que nos. De repente me assustei. Não encontrei nem meia dúzia de cavalheiros da minha idade ou mais velhos que eu. Afinal, da roda do senador Vieira, muitos dos que nasceram antes também já partiram. Ai vi que meu sentimento era de perda, porque um amigo se fora, mas também de ameaça. Estava lembrado pelo calendário. Este ninguém pode enganar. É uma fila inexorável, implacável esta organizada pela velha Parca.

Ninguém engana

Tenta-se embair o espelho, o semelhante com o recurso à cirurgia plástica. Consegue se alguma coisa junto ao olhar menos atento. Ninguém engana o calendário, o amontoado de dias vividos, mesmo que tenham sido, em sua maioria, venturosos e alegres. Tai uma razão ponderável para quando chegar nossa hora é que tenhamos a certeza de que procuramos viver bem .Em paz conosco e com os semelhantes.

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(*) Lustosa da Costa (Sobral), jornalista e escritor.

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Lustosa da Costa
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