Junho 2008
Mata o velho
Desesperada com o desmazelo e a incontinência do patriarca, nos seus quase noventa anos, a família decidiu contratar babá para livra-lo do mau cheiro e da falta de asseio. E lá apareceu uma menina pobre do interior,-que ainda trazia encantos rústicos do campo,- e veio cuidar do velho. Operou o milagre. E ele deixou de andar sujo e mau cheiroso. Passou a aparecer limpo, banhado e perfumado. E, mais que isto feliz.Os familiares só estranharam que ele vivesse pedindo dinheiro a filhos, genros e netos que visitavam embora soubessem que os proventos de aposentadoria eram rigidamente controlado pela filha em cuja casa ele se abrigava. Ia tudo no melhor dos mundos quando ela, uma dia, saiu mais cedo do trabalho e veio para o lar. Ao entrar no quarto do pai, sem aviso, deparou se com o melhor dos mundos. Ele era objeto de beijos carinhosos e persistentes da baba que lhe pretendia ressuscitar a energia e o prazer dantanho. Foi um Deus nos acuda. A moça abriu um berreiro que despertou a atenão da vizinhança. Habituada à rotina papai-mamae de seu amor burocrático, proclamou-se escandalizada, não podia ver aquilo em sua casa e, depois de dar esfregadela no pai, despachou a moça de volta,ao interior e pobreza. E passou a se gabar de campeã da moralidade entre outras mal amadas.O pai voltou à sujeira e à tristeza de antes. Acometeu lhe tristeza funda que o levou a morte, dois,três meses depois. Ao ver a filha debulhada em prantos no seu velório, fiquei pensando se ela chorava a perda do pai ou o remorso que sentia por haver obstado, com tanta violência, a tentativa e o sonho de prazer de seus últimos dias
Amor rural
Juarez Leitão encontrou, há algum tempo, em sua Novo Oriente oitentao, consumindo sua cachacinha e se vangloriando, junto aos contemporâneos, dos milagres da química farmacêutica na retomada do vigor sexual. Era amor rural que o acometera com moradora da fazenda. Longe da vigilância da família. Logo depois, o poeta veio saber o que acontecera ao venerando senhor. Estava, agora, nos abraços do alemão, acometido de Alzheimer. Tudo porque? A família descobrira a razão de sua felicidade e logo tratara de expulsar a moça de sua vida, mandando - a para São Paulo. O fazendeiro, com o final abrupto de suas ultimas ilusões, entregou-se ao delírio para fugir de realidade que o maltratava e cobria de humilhações.
Deixa o velho morrer bem
Sergio Braga conta a estória de velha tia a quem as filhas acusaram de, todos os dias, gostar de esmagar um pedaço de toucinho no feijão. Para elas, tal tempero era fatal e alinhavam mil razões para evitar o prazer da anciã. A salvação foi o doutor Paiva que indagou qual a idade da “pecadora”. Quando soube que a consumidora de toucinho chegara aos oitenta e seis anos, liberou-a para comer o que lhe apetecesse. O que ela fez, com prazer, durante quase uma década a mais.
Isto é vida?
Há o caso de boêmio, amante das mulheres, da bebida e da boa mesa a quem o medico impôs parasse de namorar, de beber, de se embriagar nas ceias noturnas. E lhe prometeu:” Se você fizer isto, terá mais dez anos de vida”. O boêmio pensou e indagou do esculápio:” E o senhor chama isto de vida?”. E isto é viver?” E continuou a curtir a vida, como lhe aprazia.
Chouiço
Um dia desses comi chouriço (aquele doce de sangue de porco) em companhia de dona Dolores, na saúde de seus noventa e três anos. Felizmente, não havia ninguém por certo para privá-la de tal prazer.
Quando á tarde, contei a façanha a Júlio Montenegro, meu amigo de 85 anos, ele não recriminou nossa sobremesa. Apenas mostrou surpresa:”Ainda existe chouriço? Onde se encontra?”
Trabalhar
Lembro o caso do industrial Ângelo Figueiredo, grande industrial que teria sido advertido, segundo as lendas, pelo medico, no sentido de parar de trabalhar, senão morreria em seis meses. Ele refletiu, refletiu e não viu vantagem de passar o dia em casa, mexendo nas panelas ou vendo televisão à tarde. Continuou fazendo o que adorava fazer, trabalhar. E morreu em pleno campo de batalha, feliz.