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Outubro 2017

Como os cearenses vem os cearenses nativos e forasteiros

O Ceará não costuma reverenciar seus grandes nomes lá nascidos mas que venceram fora da suas fronteiras. Os que viraram aves de arribação, bateram assas e foram cantar em outra freguesia. São muitos. Da mesma forma não costuma reverenciar e paparicar  os não cearenses que fizeram carreira no Ceará.

No primeiro caso, a legião é bem maior: vai dos ex governa- dores da Bahia (duas vezes) Juracy Magalhães (Fortaleza),  de Pernambuco (três vezes), Miguel Arraes de Alencar (Araripe); de Tocantins, (quatro vezes), Siqueira Campos, Raimundo Pa- dilha, do Rio de Janeiro, Hélio Gueiros, Pará, José de Anchieta, Roraima, à figuras como Antônio Conselheiro, o arcebispo dom Helder Câmara, o cardeal dom José Freire Falcão, o lí- der espirita Bezerra de Menezes, os pintores Raimundo Cela, Antônio Bandeira, Aldemir Martins,  Bruno Pedrosa, cineasta como Luís Carlos Barreto, empresários como Delmiro Gou- veia, Milton de Sousa Carvalho. Antônio Venâncio, Francisco Carneiro, Cleto Meirelles, Francisco Jereissati.

No segundo caso, o desprezo por Barbara de Alencar, a heroína da Confederação do Equador, a primeira,  mulher presidente da República do Brasil,  é imenso, como também o é aos ex-presidentes da Província e ex-senadores do Império que se elegeram pelo Ceará :os marqueses de Abrantes (Miguel Calmon Du Pin e Almeida, da estirpe aristocrática da Bahia,  nascido em Santo Amaro da Purificação;  de Aracati (João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg,  português de Lisboa) e de Lages ( João Vieira de Carvalho, nascido na Vila de Olivença /Portugal ), além do senador Francisco Sá (nascido em Grão Mogol/MG) 

Nem o ex-governador Flávio Marcílio, nascido em Picos/ PI,  eleito três vezes deputado federal e que presidiu a Câmara dos Deputados, em três oportunidades, escapa da indiferença.

A excessão da regra é o Boticário Ferreira, (Antônio Rodrigues Ferreira) nascido em Niterói, que teve uma botica na Praça,  foi vereador e intendente por 18 anos,e implantou o Plano Urbanístico de Silva Paullet, deu nome à principal praça de Fortaleza. A maior condecoração da Câmara de Fortaleza leva o seu nome.

Somente agora e 400 anos depois, se esboça uma reve- rencia ao criador do Estado do  Ceará, o português Martim Soares Moreno natural de Santiago do Cacém, no Alentejo, nascido em 1586. Participou da expedição de Pero Coelho ao Ceará em 1603 e acabou por se tornar,  em 1612,  fundador da Capitania do Ceará  na margem direita da foz do rio Ce- ará, com a ajuda de índios Potyguaras e seus soldados,onde  construiu o Fortim de São Sebastião e uma ermida dedicada a Nossa Senhora do Amparo. Hoje, há uma estatua dele em frente a ao QG da 10ª. Região Militar, em Fortaleza.  Meio achatado na foto.

Da mesma forma, quem ninguém sabe quem foi  o pri- meiro governador do Ceará autônomo no Brasil Colônia em 1799 (Bernardo Manuel de Vasconcelos)  nem no Brasil imperial  em  1822 (José Pereira Figueiras).

Não praticamos o  sinistro esporte que proclama: em terra de cego quem tem olho a gente fura.

Nossos heróis (tanto nativos quanto forasteiros) geral- mente nem são de carne e osso, nem de ferro, nem de pedra, nem de aço, mas de barro: se esfarelam com o tempo.

Nos demais estados da Federação, mesmo no Rio de Ja- neiro e de São Paulo,  é imensa a  legião dos ilustres heróis desconhecidos. Alguns ganham monumentos e estatuas, nomes de praças, ruas, nomes em edifícios, bibliotecas teatros, rodovias, etc. para que sejam lembrados, enquanto a memória não se apaga, como inscrição em areia.

Lembro tudo isso, porque Delmiro Gouveia fez 100 anos de vida e 100 anos de morte, ninguém dele se lembrou no Ceará. Nada extraordinário, num estado em que o sol já foi solenemente vaiado em Fortaleza porque abriu quando se queria tempo nublado e muita chuva! E numa cidade em que o rei momo, devidamente fantasiado, já foi flagrado na terça de carnaval comprando pão numa padaria.

Delmiro Gouveia ou  pouco ou nada lembrado, embora tenha sido um dos maiores empreendedores do Ceará fora dele, especialmente em Pernambuco e Alagoas, ligado um- bilicalmente ao inicio do processo de modernização do país, com shopping no Recife/PE, industrialização têxtil em  Pedra /AL, cidade que hoje tem o seu nome ligado à construção da 1ª hidrelétrica do Nordeste, a de Angiquinho, e à  historia de Paulo Afonso.

De estatura miúda, de feições cearenses, cabeça chata  e orelhas grandes, Delmiro  Gouveia, não pela aparência, mas pelo talento ou tino, determinação, visão de futuro, coragem e destemor, esticou a corda até ser assassinado, aos 54 anos, um crime que por honra do glorioso acervo dos crimes insolúveis jamais foi esclarecido no país. Isto há mais de cem anos.

Acredito que Hercule Poirot, Sherlock Holmes, Inspetor Clouseau e James Bond não aceitariam o desafio de esclare - cer o crime que compensou aos seus detratores mas que nos apequena  a todos, pois encerrou a trajetória de vida de um empreendedor que não cresceu nas tetas públicas  nem cercado de políticos safados, ganhando reconhecimento e notorieda- de, admiração dos seus conterrâneos brasileiros - cearenses, pernambucanos e alagoanos por sua competência, dignidade e decência.

(*)JB  Serra  e  Gurgel  (Acopiara)  escritor  e  jornalista, serraegurgel@gmail.com;  Já  me  ocupei  do  tema  com  o artigo Os heróis cearenses são heróis de pés de  barro ou heróis desconhecidos?, aqui publicado em abr de 2014, aqui encontrado no blog.

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JB Serra e Gurgel
Jornalista e Escritor
http://www.cruiser.com.br/girias
gurgel@cruiser.com.br


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