Novembro 2011
A gíria ou o calão presente na obra de Eça de Queiroz
Já me disseram que Eça de Queiroz escrevia mal, era descuidado com a língua, que não era um purista, coisas do gênero dos que querem minimizar o impossível. Eça nasceu em 25.11.1845 e morreu em 16.08.1900. De 1872 a 1874, com 22 anos, serviu em Havana, de 1874 a 1878, em Londres, de 1878 a 1900, em Paris. O Brasil não tem um Eça. O que viu em Portugal lhe assegurou a glória de ser o maior escritor da língua portuguesa e ponto final, expressão máximo do realismo português.
O embaixador Dario Castro Alves (Fortaleza) escreveu “O Vinho do Porto na obra de Eça de Queiroz e “Roteiro de os Maias de Eça de Queiroz, e de todas as comidas e bebidas do romance”, além de “Era Lisboa e Chovia” – roteiro histórico, literário, artístico e sentimental da cidade de Lisboa em toda a obra de Eça de Queiroz, ontem e hoje”, “Era Tormes e Amanhecia” – Dicionário de gastronomia cultural de Eça de Queiroz” e “Era Porto e Entardecia – de Absinto a Zurrapa” dicionário de bebidas na obra de Eça de Queiroz”. Na sua cuidadosa e caudalosa pesquisa, deu mais dimensão à monumental obra de Eça.
Quem sou eu, diante do mestre Dario?. Um aprendiz de Eça de Queiroz, que ouso identificar calão (gírias) em apenas um dos seus romances, “A Correspondência de Fradique Mendes”, da L#PM Pocket, com apresentação, posfácio e notas de Fabio Bortolazzo Pinto, reimpressão de agosto de 2010.
Os portugueses que dicionarizaram o termo gíria no clássico Dicionário do padre Raphael Bluteau, em 1712, há 300 anos, marco da gíria na língua portuguesa,não tem o hábito de utilizá-lo, preferindo o termo calão.
Carlos Fradique Mendes, criado por ele, Antero de Quental e Jaime Batalha Reis, surgiu em 1869. Em 1870, segue vivo com Ramalho Ortigão. Em 1888, Eça coloca biografia e correspondência em Fradique. Logo depois do nascimento do livro. Não viu o seu imenso sucesso que passou de um centenário.
No livro, há uma referência de Fradique segundo a qual “Lisboa é uma cidade traduzida do Frances em calão”(linguajar típico de um país ou de uma região, gíria), numa crítica azeda a papalva, a saloia, a macaqueação que corria na vida social de Lisboa, na vã tentativa de seguir o mundanismo de Paris”. Acrescentaria Fradique o provincianismo reles “põe em calão as comédidas de Labiche e os acepipes de Gouffe. Estamonos nutrindo miseravelmente dos sobejos democráticos do Boulevard, requentados e servidos em chalaça e galantina”.
Assim, na Parte I do livro, Memórias e Notas, facundo significa, falador, – rojos, rastos – quinzena de alpaca, jaquetão de alpaca, – airosa, elegante – enfardelar, colocar em embalagem – boleeiro, condutor de carruagem – carrascão, vinho forte e áspero – intrujar, enganar – tipóia, carruagem simples, de aluguel – bater, ir – pilecas, cavalos reles – bem catita, bonita, admirável – escachar – pitéu, petisco, iguaria delicada – maganão, figurão, brincalhão – rabona, fraque, jaquetão de abas curtas – pudibunda, pudica, recatada – frascário, libertino, devasso – femeeiro, mulherengo - abichei, obtive, consegui – paxá, influente – anafados, bem alimentados – casaca de cook, roupa de uso doméstico – fiacre, carruagem de aluguel – fato feito, roupa sob medida – escarolado, lavado, limpo – gloríola, boa reputação imerecida – morgadinho, rapaz exageradamente elegante, afetado – telega, antiga carroça – pecamente, estupidamente – cavaqueira, conversa informal, agradável, sem assunto específico – politiquice, adjetivo pejorativo – politiquete, político insignificante, sem expressão – papalva, palerma, tola – saloia, grossseira, rude – macaqueação – frandulagem, quinquilharia, reunião de objetos sem valor – sécio, afetado, artificial – alfaias, objetos usados cômo enfeites – estofo, mobília – cocotte, cortesã – caturreira, caturrice – coupé, carruagem de dois lugares – carrejão, carregador, moço de fretes, – especioso, enganador, ilusório – bolçando, vomitando – maninho, inculto, estéril.
Na Parte II, as Cartas, geba, significa corcunda da idade avançada – flerte, paquera – quintarola, pequena quinta – trolha, servente de pedreiro, operário de baixa hierarquia – chinós, cabeleira postiça – panegírias, discurso laudatório – rabulice, prática desleal de advogado – nédio, lustroso, devido à gordura, brilhante – guedelhudo, cabeludo – amolgado, amassaddo – sabujice, servilismo – escroqueria, ato do escroque, ladrão – garrulice, tagarelice – fâmulo, criado – aurispice, vidente, profeta – blagues, patranhas, enganações, falsidades – boceta, caixinha para guardar pequenos objetos – tresmalhada, dispersa – gonzo, dobradiça – relassa, corruptela de relapsa, contumaz – palreiras, faladoras – langor, preguiça – mundanal, mundano – esbatida, pálida – ganga, tecido vulgar – prestamista, indivíduo que empresta dinheiro – regrantes, seguidores de regras monásticas – tulhas depósitos – pingue, farto, abundante – comezaima, reunião para beber e comer – rebuçado, doce feito de calda de açúcar endurecida – gárrulo, falador – maganão, malandro, inescrupuloso – tagarela, falador – chalaça, gracejos, ditos espirituosos – esparrinha, amontoa confusamente – quimérica, utópica, fantástica – gemebundo, gemedor – alambicadamente, pretensiosamente – ceitis, trocados, centavos – mastins, cães de guarda – patos, parvos, tolos – fero, feroz violento – hoste, tropa, exército.
(*) JB Serra e Gurgel (Acopiara), jornalista e escritor.