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Agosto 2012

Hábitos antigos

Entre as grandes expressões da música erudita brasileira – Carlos Gomes, Alberto Nepomuceno, Villa- Lobos –, inclui-se Eleazar de Carvalho, cujo centenário do nascimento se comemora neste ano. Nascido na cidade cearense de Iguatu, em 1912, viria a brilhar como regente das maiores e mais importantes orquestras do mundo, para surpresa de quem se lembrava do menino em incursões pelos quintais da vizinhança, sem muito gosto por livros ou por deveres que lhe ocupassem as horas.

Capitão do Exército e pastor protestante, o pai decidira que já era tempo de o moleque “aprender a ser homem”, e matriculou-o na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, em Fortaleza. À hora do almoço, Eleazar logo percebeu que aos músicos do quartel se destinava uma alimentação melhor. Na primeira oportunidade, procurou o maestro, com o olho na comida e o pensamento na barriga:

— Meu grande sonho, Mestre Lisboa, é fazer parte da banda. Sinto que nasci para a música, passar a vida tocando!

— Lamentavelmente não posso fazer nada, meu filho. A banda está completa, não falta ninguém...

— Veja aí, Mestre. Não há nem um lugarzinho? Pode ser qualquer instrumento...

— Não, infelizmente não tenho nada para lhe oferecer... Ah, espere: há uma vaga para tuba. Não sei se lhe interessa...

— Claro que me interessa! Sempre desejei tocar tuba, desde menino. Para mim, é o instrumento mais bonito!

E assim foi: a banda ganhou um tocador de tuba; o rancho, mais uma boca faminta para a boia especial; e a música, um maestro que brilharia pelo mundo afora, com a grandeza do seu talento e o valor do seu trabalho.

Logo deixa a capital cearense pelo Rio: entra para a Banda dos Fuzileiros Navais e, com apenas 17 anos, é aprovado em concurso para a Orquestra do Teatro Municipal. A partir de 1936, dirigirá por nove anos a Orquestra do Cassino da Urca. Em 1946, sem bolsa do governo nem a ajuda de ninguém, parte para os Estados Unidos com a ambição própria do bom cearense, talvez loucura para outros: reger nada menos do que as orquestras de Nova York, Boston e Filadélfia. Eugene Ormandy, titular da última, foi cruel na avaliação: “Você precisará de 15 ou 20 anos para chegar aqui...”

Ao inacessível russo Sergei Koussevitzky, regente da Orquestra de Boston, fez saber que lhe trazia uma mensagem do governo brasileiro. Aberta a exceção para um encontro, diz-lhe o cearense, com a cara mais limpa do mundo:

— A mensagem é verbal, de saudação do Presidente do Brasil ao grande músico que é Vossa Excelência... E pede, pelo amor de Deus, apenas cinco minutos para que lhe mostre o que sabe de música:

— Se julgar que não tenho nenhum talento, voltarei para o meu país e viverei da caça e da pesca.

Semanas depois, torna-se assistente de Koussevitzky, com um outro jovem de nome Leonard Bernstein... Recebe convites para reger em Chicago e New York. Meses depois, substitui o titular da Sinfônica da Filadélfia, sucessor de Ormandy, a quem dá, apenas um ano depois, o troco pelo que ouvira do maestro. Manda-lhe cópia do contrato e dois ingressos para uma apresentação, com a mensagem: “Veja onde já estou...”

Torna-se professor de música das universidades de Yale e de Washington e da Juilliard School, em Nova York, respeitada pela excelência de mestres e alunos. Por 40 anos – com suas charmosas cãs de prata e a pele cor de cobre, herança indígena da mãe –, rege as principais orquestras da Europa e dos Estados Unidos, sem embargo da condição de diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica Brasileira, entre 1952 e 1968, e da regência da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, de 1973 até à morte, em 1996, aos 84 anos. À frente da OSB apresentou, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, os famosos “Concertos para a Juventude”, aos quais se devem a qualificação de instrumentistas e o interesse de milhares de jovens pela música erudita – principalmente a composta por brasileiros, Villa-Lobos em especial.

Hoje, no Ceará, o Governo do Estado mantém a Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho; a Universidade de Fortaleza promove, anualmente, o Festival Eleazar de Carvalho; e, em Iguatu, a Escola Maestro Eleazar de Carvalho transmite o legado grandioso do patrono a estudantes que podem ter na música não apenas uma profissão, mas a arte que lhes salvou a vida. Neste ano, o Festival de Inverno de Campos do Jordão foi dedicado a ele, um dos entusiastas do evento a que dava relevo e prestígio.

Homenagens que até surpreendem, pela tradição brasileira da amnésia histórica, do mau gosto artístico e da ignorância cultural. Bom que assim seja com Eleazar de Carvalho, o maestro cearense que engrandeceu o Brasil e encantou o mundo. E pensar que tudo começou com uma tuba...

(*) Edmilson Caminha (Fortaleza), escritor e servidor da Câmara dos Deputados.

 

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Edmilson Caminha (Fortaleza), escritor


                                            


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